Nos salmos penitenciais encontramos rios de sabedoria, louvor e perdão

Existem na natureza certos fenômenos metereológicos dos quais bem podemos tirar uma grande lição para a nossavida espiritual. Com efeito, ao contemplarmos um belo pôr dosol, ou a feeria de cores de um magnífico arco-íris, ou, quiçá, a alvura espetacular de um campo totalmente nevado, nossas almas louvam o Criador por todos os dons da Criação. Nos unimos, então, a Ele pela consideração maravilhada destes prodígios naturais: ditos espetáculos bem representam a união da alma justa com o Criador.

Porém outros fenômenos, completamente distintos dos que acima foram vistos, bem representam a Justiça Divina, Majestosa e Implacável para com o pecador empedernido. Assim a vemos representada nas ferozes tempestades, nos ensurdecedores – mas quão deslumbrantes – trovões, e ainda, no tremendo e destruidor furacão…

É justamente esta Divina Implacabilidade do Criador que vemos representada em alguns salmos das Sagradas Escrituras! “Se tiverdes em conta nossos pecados, Senhor, quem poderá subsistir diante de vós?” (Sl 129, 3); “Vossa cólera nada poupou em minha carne, por causa de meu pecado nada há de intacto nos meus ossos” (Sl 37, 4); “Em vossa cólera não me repreendais, em vosso furor não me castigueis” (Sl 6, 2): estes e alguns outros salmos nos demonstram a Inexorabilidade de Deus para com aqueles que não se arrependem dos seus delitos… Mas será somente esse aspecto que o leitor encontrará na leitura dos salmos penitenciais, essas verdadeiras e valiosas jóias de literatura? Nos salmos penitenciais encontramos rios de sabedoria, louvor e perdão.

O livro dos Salmos, uma obra sapiencial

Sabedoria. Os salmos que acabamos de contemplar compõem, junto com muitos outros, o livro dos Salmos. Originariamente intitulava-se como sendo o livro dos Hinos, e com a tradução dos LXX passou a denominar-se tal qual o conhecemos. Junto com os livros de Jó, os Provérbios, o Eclesiastes, o Cântico dos Cânticos, o da Sabedoria e o Eclesiástico, o Livro dos Salmos compõe no Antigo Testamento a classe dos livros cognominados como Sapienciais. Assim são denominados porque, por meio deles, podemos tomar os pressupostos necessários para, a partir das criaturas, conhecermos a Deus. Neles encontramos a nota comum de conselhos como que divinos para se ter uma vida justa, e, por meio desta, estar em paz com o Criador. Eles ensinam a viver com sabedoria.

No caso concreto do livro dos Salmos, ele é composto por 150 salmos que foram redigidos nas mais diversas épocas, e por vários autores… Primeiramente eram todos eles atribuídos àquele que é conhecido como o “Cantor dos Salmos de Israel” (2Sm 23, 1): o Profeta David. Posteriormente verificou-se que seria mais correto afirmar que os salmos foram escritos não apenas por um, mas por diversos autores. Assim vemos, então, em alguns a pluma do Grande David, que marcou não só a história do povo hebreu, mas sim a do mundo por ser um dos antepassados de Nosso Senhor; em outros salmos, encontramos a pena de personagens tragados pelo anonimato da História – dos quais nem sequer se conhece a vida – como a Asaf, Heman e os filhos de Coré; e em outros salmos, anônimo é o autor. Mas toda esta questão é secundária, tendo-se em consideração a beleza, o intuito e os vários modos com os quais foram escritos os salmos.

Modos de louvar a Deus

Com efeito, nota-se em todos os salmos um tema freqüente: é que foram escritos de forma poética com o intuito de louvar e reverenciar a Deus, mostrando ao homem o modo dEle agir e atuar ao longo de toda a História – seja por meio de prêmios ou castigos -, desde o momento da Criação, e até mesmo na vida cotidiana de todos os pobres mortais. Em alguns salmos, encontramos especialmente uma nota de súplica por alguma catástrofe que está para se realizar, e que se roga a Deus para que não se concretize; já em outros, o tônus é de ação de graças por um benefício recebido… Podemos destacar, entre tantos e tantos outros modos com os quais os salmos foram escritos, aqueles salmos que louvam especialmente a majestade de Deus, como o salmo 113 (1-4): “Louvai, ó servos do Senhor, louvai o nome do Senhor. Bendito seja o nome do Senhor, agora e para sempre. Desde o nascer ao pôr-do-sol, seja louvado o nome do Senhor. O Senhor é excelso sobre todos os povos, sua glória ultrapassa a altura dos céus”; ou, então, aqueles que possuem um caráter litúrgico, que eram utilizados nas festas do antigo Israel e nas peregrinações à Jerusalém: “Que alegria quando me disseram: Vamos à casa do Senhor… Eis que nossos pés já se detêm diante de tuas portas, ó Jerusalém!” (Sl 122, 1-2).

Há, ainda, alguns salmos que contém – de modo singular – um pedido de perdão… Possuem um caráter de arrependimento, contrição e sacrifício, nos quais apresenta-se nitidamente o rigor da Divina Justiça para com o pecador empedernido em suas faltas – e aos quais bem podemos comparar às terríveis catástrofes da natureza vistas a pouco… São, justamente, os salmos que a piedade católica denominou como Penitenciais.

Clamorosos pedidos de perdão

São denominados Salmos Penitenciais os que a Vulgata enumera como sendo os salmos 6, 31, 37, 50, 101, 129 e 142. Ditos salmos possuem, mais que os demais, sentimentos de penitência, com os quais o Salmista comprova a gravidade do seu pecado e roga a Deus o perdão imerecido… Vemos claramente nestes sete salmos a Majestade Divina que é insultada com a torpeza do pecado. E pari-passu a isto verificamos o verdadeiro – e quão pungente – exemplo do Salmista, que se arrepende inteiramente da má ação cometida, e implora a Deus indulgência para com os seus delitos. A partir desta atitude de contrição, nasce uma outra súplica: a de que Deus aplaque a Sua Santa ira, e considerando a Infinita Bondade Divina, roga o Salmista que Deus abrande o castigo!

Desde tempos imemoriais adotou a Santa Igreja a estes sete salmos para utilizá-los como uma “fonte penitencial”: por meio deles incutir nos fiéis o verdadeiro espírito do arrependimento dos pecados, e, deste modo, fazer com que todos se penitenciem das suas faltas. O resultado é que ditos salmos figuram em vários momentos na vida da Igreja, seja no Ofício Divino, seja na Sagrada Liturgia, tanto na recitação diária e silenciosa, como no cântico em coro… Orígenes afirmava que o motivo que levou a Igreja a eleger sete salmos penitenciais equivalia a sete modos pelos quais se adquire o perdão dos pecados, que seriam: por meio do batismo, do martírio, pelas esmolas, perdoando os pecados alheios, convertendo o próximo, pela efusão da caridade, e por fim, pela própria penitência.

Salmo 06

1. SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor.
2. Tem misericórdia de mim, SENHOR, porque sou fraco; sara-me, SENHOR, porque os meus ossos estão perturbados.
3. Até a minha alma está perturbada; mas tu, SENHOR, até quando?
4. Volta-te, SENHOR, livra a minha alma; salva-me por tua benignidade.
5. Porque na morte não há lembrança de ti; no sepulcro quem te louvará?
6. Já estou cansado do meu gemido, toda a noite faço nadar a minha cama; molho o meu leito com as minhas lágrimas,
7. Já os meus olhos estão consumidos pela mágoa, e têm-se envelhecido por causa de todos os meus inimigos.
8. Apartai-vos de mim todos os que praticais a iniqüidade; porque o SENHOR já ouviu a voz do meu pranto.
9. O SENHOR já ouviu a minha súplica; o SENHOR aceitará a minha oração.
10. Envergonhem-se e perturbem-se todos os meus inimigos; tornem atrás e envergonhem-se num momento.

Salmo 31

1. BEM-AVENTURADO aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto.
2. Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não imputa maldade, e em cujo espírito não há engano.
3. Quando eu guardei silêncio, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido em todo o dia.
4. Porque de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio.
5. Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Dizia eu: Confessarei ao SENHOR as minhas transgressões; e tu perdoaste a maldade do meu pecado.
6. Por isso, todo aquele que é santo orará a ti, a tempo de te poder achar; até no transbordar de muitas águas, estas não lhe chegarão.
7. Tu és o lugar em que me escondo; tu me preservas da angústia; tu me cinges de alegres cantos de livramento.
8. Instruir-te-ei, e ensinar-te-ei o caminho que deves seguir; guiar-te-ei com os meus olhos.
9. Não sejais como o cavalo, nem como a mula, que não têm entendimento, cuja boca precisa de cabresto e freio para que não se cheguem a ti.
10. O ímpio tem muitas dores, mas àquele que confia no SENHOR a misericórdia o cercará.
11. Alegrai-vos no SENHOR, e regozijai-vos, vós os justos; e cantai alegremente, todos vós que sois retos de coração.

Salmo 37

Ó SENHOR, não me repreendas na tua ira, nem me castigues no teu furor.
Porque as tuas flechas se cravaram em mim, e a tua mão sobre mim desceu.
Não há coisa sã na minha carne, por causa da tua cólera; nem há paz em meus ossos, por causa do meu pecado.
Pois já as minhas iniqüidades sobrepassam a minha cabeça; como carga pesada são demais para as minhas forças.
As minhas chagas cheiram mal e estão corruptas, por causa da minha loucura.
Estou encurvado, estou muito abatido, ando lamentando todo o dia.
Porque as minhas ilhargas estão cheias de ardor, e não há coisa sã na minha carne.
Estou fraco e mui quebrantado; tenho rugido pela inquietação do meu coração.
Senhor, diante de ti está todo o meu desejo, e o meu gemido não te é oculto.
O meu coração dá voltas, a minha força me falta; quanto à luz dos meus olhos, ela me deixou.
Os meus amigos e os meus companheiros estão ao longe da minha chaga; e os meus parentes se põem à distância.
Também os que buscam a minha vida me armam laços e os que procuram o meu mal falam coisas que danificam, e imaginam astúcias todo o dia.
Mas eu, como surdo, não ouvia, e era como mudo, que não abre a boca.
Assim eu sou como homem que não ouve, e em cuja boca não há reprovação.
Porque em ti, SENHOR, espero; tu, Senhor meu Deus, me ouvirás.
Porque dizia eu: Ouve-me, para que não se alegrem de mim. Quando escorrega o meu pé, eles se engrandecem contra mim.

Porque estou prestes a coxear; a minha dor está constantemente perante mim.
Porque eu declararei a minha iniqüidade; afligir-me-ei por causa do meu pecado.
Mas os meus inimigos estão vivos e são fortes, e os que sem causa me odeiam se multiplicam.
Os que dão mal pelo bem são meus adversários, porquanto eu sigo o que é bom.
Não me desampares, SENHOR, meu Deus, não te alongues de mim.
Apressa-te em meu auxílio, Senhor, minha salvação.

Salmo 50

1. TEM misericórdia de mim, ó Deus, segundo a tua benignidade; apaga as minhas transgressões, segundo a multidão das tuas misericórdias.
2. Lava-me completamente da minha iniqüidade, e purifica-me do meu pecado.
3. Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim.
4. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares.
5. Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.
6. Eis que amas a verdade no íntimo, e no oculto me fazes conhecer a sabedoria.
7. Purifica-me com hissope, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve.
8. Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que gozem os ossos que tu quebraste.
9. Esconde a tua face dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniqüidades.
10. Cria em mim, ó Deus, um coração puro, e renova em mim um espírito reto.
11. Não me lances fora da tua presença, e não retires de mim o teu Espírito Santo.
12. Torna a dar-me a alegria da tua salvação, e sustém-me com um espírito voluntário.
13. Então ensinarei aos transgressores os teus caminhos, e os pecadores a ti se converterão.
14. Livra-me dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação, e a minha língua louvará altamente a tua justiça.
15. Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca entoará o teu louvor.
16. Pois não desejas sacrifícios, senão eu os daria; tu não te deleitas em holocaustos.
17. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus.
18. Faze o bem a Sião, segundo a tua boa vontade; edifica os muros de Jerusalém.
19. Então te agradarás dos sacrifícios de justiça, dos holocaustos e das ofertas queimadas; então se oferecerão novilhos sobre o teu altar.

Salmo 101

Senhor, ouvi a minha oração, e chegue até vós o meu clamor.
 Não oculteis de mim a vossa face no dia de minha angústia.
Inclinai para mim o vosso ouvido.
Quando vos invocar, acudi-me prontamente,
4. porque meus dias se dissipam como a fumaça, e como um tição consomem-se os meus ossos.
5. Queimando como erva, meu coração murcha, até me esqueço de comer meu pão.
 6. A violência de meus gemidos faz com que se me peguem à pele os ossos.
 7. Assemelho-me ao pelicano do deserto, sou como a coruja nas ruínas.
 8. Perdi o sono e gemo, como pássaro solitário no telhado.
9. Insultam-me continuamente os inimigos, em seu furor me atiram imprecações.
10. Como cinza do mesmo modo que pão, lágrimas se misturam à minha bebida,
11. devido à vossa cólera indignada, pois me tomastes para me lançar ao longe.
12. Os meus dias se esvaecem como a sombra da noite e me vou murchando como a relva.
13. Vós, porém, Senhor, sois eterno, e vosso nome subsiste em todas as gerações.
 14. Levantai-vos, pois, e sede propício a Sião; é tempo de compadecer-vos dela, chegou a hora…
 15. porque vossos servos têm amor aos seus escombros e se condoem de suas ruínas.
16. E as nações pagãs reverenciarão o vosso nome, Senhor, e os reis da terra prestarão homenagens à vossa glória.
17. Quando o Senhor tiver reconstruído Sião, e aparecido em sua glória,
 18. quando ele aceitar a oração dos desvalidos e não mais rejeitar as suas súplicas,
 19. escrevam-se estes fatos para a geração futura, e louve o Senhor o povo que há de vir,
 20. porque o Senhor olhou do alto de seu santuário, do céu ele contemplou a terra;
21. para escutar os gemidos dos cativos, para livrar da morte os condenados;
22. para que seja aclamado em Sião o nome do Senhor, e em Jerusalém o seu louvor,
 23. no dia em que se hão de reunir os povos, e os reinos para servir o Senhor.
24. Deus esgotou-me as forças no meio do caminho, abreviou-me os dias.
25. Meu Deus, peço, não me leveis no meio da minha vida, vós cujos anos são eternos.
26. No começo criastes a terra, e o céu é obra de vossas mãos.
27. Um e outro passarão, enquanto vós ficareis. Tudo se acaba pelo uso como um traje.
Como uma veste, vós os substituís e eles hão de sumir.
 28. Mas vós permaneceis o mesmo e vossos anos não têm fim.
 29. Os filhos de vossos servos habitarão seguros, e sua posteridade se perpetuará diante de vós.

Salmo 129

1. Do fundo do abismo, clamo a vós, Senhor;

2. Senhor, ouvi minha oração. Que vossos ouvidos estejam atentos à voz de minha súplica.

3. Se tiverdes em conta nossos pecados, Senhor, Senhor, quem poderá subsistir diante de vós?

 4. Mas em vós se encontra o perdão dos pecados, para que, reverentes, vos sirvamos.

5. Ponho a minha esperança no Senhor. Minha alma tem confiança em sua palavra.

6. Minha alma espera pelo Senhor, mais ansiosa do que os vigias pela manhã.

7. Mais do que os vigias que aguardam a manhã, espere Israel pelo Senhor, porque junto ao Senhor se acha a misericórdia; encontra-se nele copiosa redenção.

8. E ele mesmo há de remir Israel de todas as suas iniquidades.

Salmo 142

1.  Senhor, ouvi a minha oração; pela vossa fidelidade, escutai a minha súplica, atendei-me em nome de vossa justiça.
2. Não entreis em juízo com o vosso servo, porque ninguém que viva é justo diante de vós.
3. O inimigo trama contra a minha vida, ele me prostrou por terra; relegou-me para as trevas com os mortos.
4. Desfalece-me o espírito dentro de mim, gela-me no peito o coração.
5. Lembro-me dos dias de outrora, penso em tudo aquilo que fizestes, reflito nas obras de vossas mãos.
6. Estendo para vós os braços; minha alma, como terra árida, tem sede de vós.
7. Apressai-vos em me atender, Senhor, pois estou a ponto de desfalecer. Não me oculteis a vossa face, para que não me torne como os que descem à sepultura.
8. Fazei-me sentir, logo, vossa bondade, porque ponho em vós a minha confiança. Mostrai-me o caminho que devo seguir, porque é para vós que se eleva a minha alma.
9. Livrai-me, Senhor, de meus inimigos, porque é em vós que ponho a minha esperança.
10. Ensinai-me a fazer vossa vontade, pois sois o meu Deus. Que vosso Espírito de bondade me conduza pelo caminho reto.
11. Por amor de vosso nome, Senhor, conservai-me a vida; em nome de vossa clemência, livrai minha alma de suas angústias.
12. Pela vossa bondade, destruí meus inimigos e exterminai todos os que me oprimem, pois sou vosso servo.

Por Diácono Felipe Isaac Paschoal Rocha, EP, Artigo publicado originalmente pela Gaudiumpress.